Casamento de Santo Aleixo (ou Terceiro Casamento de D. Manuel)
Garcia Fernandes (act. 1514-1565)
Portugal, 1541
Óleo sobre tábua, 178 x 135
Lisboa, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa / Museu de São Roque, Inv.nº.: 54

 

Grande óleo sobre tábua, identificado habitualmente como sendo a representação do terceiro casamento de D. Manuel com D. Leonor de Castela (1498-1558), irmã de Carlos V, celebrado em 1518. Garcia Fernandes foi um dos mais relevantes e produtivos pintores portugueses do Renascimento. Trabalhou na oficina de Jorge Afonso (act. 1507-1542), pintor régio de D. Manuel, com o qual se formou, e em regime de parceria com Cristóvão de Figueiredo e Gregório Lopes, com os quais pintou tábuas para retábulos (Ferreirim, S. Francisco de Évora), prosseguindo o seu trabalho em Lisboa (Convento da Trindade, primeira Igreja de S. Roque) mas executando, também,  pinturas para Goa. Joaquim Caetano provou que este quadro, da indubitável autoria daquele pintor (que foi também eleitor da Misericórdia de Lisboa), em vez das bodas de D. Manuel, representa antes um momento iconográfico relativamente raro: O Casamento de Santo Aleixo, enquanto  alegoria da fundação das Misericórdias, tendo o quadro sido encomendado pelo filho do primeiro provedor das Misericórdias, D. Álvaro da Costa. A iconografia seria, portanto, invulgar, uma vez que Santo Aleixo é maioritariamente representado como um pobre pedinte, no leito da morte ou segurando, já cadáver, a carta que o papa Bonifácio I leu permitindo-lhe reconhecer o ›homem santo‹. A hagiologia dá grande importância ao casamento forçado de Aleixo com Sabina, que abandona na noite núpcias, deixando-a casta e entregando-se ao seu apelo de santidade. Dedicando-se aos pobres, desfaz-se das suas ricas vestes e do seu colar do ouro (representados na pintura) e retira-se do meio mundano dedicando-se à esmola. Ficará conhecido como »o Homem de Deus«. Poderá, no  entanto, verificar-se um caso curioso. Efectivamente, D. Manuel, que se fez retratar raras vezes (a mais objectiva representação é a sua escultura no portal ocidental do Mosteiro dos Jerónimos), utilizou representações suas, em diferido se assim se pode dizer, para veicular o seu sentido de providencialismo. Como Rei Mago ei-lo no Retábulo »do mestre dos Reis Magos« (MNAA), numa Adoração dos Magos (atrib. Gregório Lopes, Museu de Torres Vedras); ei-lo ainda, criando uma propositada confusão entre o plano espiritual e temporal nas representações, como ofertante ou doador, em contextos sagrados bem precisos, conforme acontece numa das pinturas do Retábulo da Misericórdia do Funchal, no Painel da Misericórdia de Sesimbra, e ainda na Fons Vitae do Museu Municipal do Porto, nos vitrais da Batalha, no retábulo de Almeirim, parcialmente perdido. Como Rei David, D. Manuel aparece no Painel da Santíssima Trindade de Lisboa, no frontispício nº 20 da Leitura Nova, envolto na inicial ›D‹ das palavras »Dom Manuel« (que é também o ›D‹ de David). Não é impossível que a pintura consista num retrato de D. Manuel, enquanto ›modelo‹ imaginário e característico (figura de vulto, de grandes braços como o descreveu o cronista, cabelo com franja e barba densa). O traje vermelho concorda, aliás, com as suas preferências heráldicas.