Collection Rijksmuseum Amsterdam

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Ensaios

 

Pedro Lage Reis Correia:
O Triunfo do experimentalismo na missão do Japão:
Alessandro Valignano (1539 – 1606) e a organização da embaixada japonesa à Europa em 1582

 

Resumo
Na sequência da primeira estadia de Alessandro Valignano como Visitador no Japão (1579–1582), três senhores cristãos da ilha de Kyushu decidem enviar uma embaixada à Santa Sé. A embaixada japonesa sai do Japão em 1582 e, após passar por Espanha, chega a Roma em 1585, regressando ao Japão em 1590. Esta embaixada é organizada por Valignano com o objectivo de solucionar diversos problemas relativos à missão japonesa. Valignano, na sua estratégia missionária, defendia que a actividade evangelizadora devia integrar elementos sócio-culturais do próprio espaço onde o missionário estava inserido. No entanto, ao mesmo tempo que Valignano pugnava por esta atitude de tolerância, defendia que os seminaristas japoneses deviam aceitar as virtudes do Cristianismo e repudiar diversos elementos da cultura japonesa.
A embaixada será a solução encontrada por Valignano para resolver este paradoxo. O Visitador jesuíta vai organizar esta missão diplomática em função da sua própria concepção do que é a transmissão de conhecimento. Para Valignano, a evocação da experiência e do conhecimento empírico de um determinado espaço, são fundamentais para a credibilização da informação transmitida. É esta conceptualização que Valignano irá aplicar à embaixada. Neste sentido, é possível compreender a escolha dos embaixadores enviados para a Europa: para além de serem parentes de senhores cristãos, a sua importância advém, igualmente, de serem alunos do seminário de Arima. Mas Valignano também utilizou a embaixada como meio de valorizar a missionação jesuíta junto dos poderes políticos e religiosos da Europa. Desta forma, Valignano esperava que a Santa Sé tivesse a experiência de uma Cristandade japonesa perfeitamente enquadrada na evangelização jesuíta.

 

O Triunfo do experimentalismo na missão do Japão:
Alessandro Valignano (1539 – 1606) e a organização da embaixada japonesa à Europa em 1582
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Leonor Freire Costa:
Portugal e o Atlântico: o significado do império

 

Resumo

As questões de fundo na historiografia sobre Portugal no período moderno (séculos XVI a XIX) tomam a importância da expansão e da dinâmica do império na estrutura da sociedade e da economia. É neste contexto de reflexão sobre o significado de um espaço económico na construção de um Estado dinástico que se torna possível reconhecer na feição atlântica de Portugal do Antigo Regime, mais do que nas ligações regulares ao longínquo mundo do oceano Índico que a coroa tutelava, os fundamentos da autonomia do reino. Com efeito, as finanças da Coroa cedo dependeram de impostos indirectos, com base na circulação de mercadorias e no comércio marítimo com a Europa, de reexportação de produtos do império, ainda que durante vários séculos uma vasta fatia da vida económica, sujeita a formas diversas de exacção fiscal sobre a terra, escapasse a esse mercado impulsionado pelas trocas externas.
A economia das áreas atlânticas do império português, pelo tráfico de escravos e pela plantação açucareira no Brasil, assumiu um papel relevante nas finanças da Coroa no último quartel do século XVI e durante o século XVII, quando a unidade da monarquia hispânica, sob os Habsburgo, implodia numa sucessão de revoltas, sendo a de Portugal e a dos Países Baixos casos de sucesso, face por exemplo ao fracasso de Nápoles ou da Catalunha. A vertente marítima de Portugal na Europa do Antigo Regime desde há séculos que inquieta as elites intelectuais portuguesas. Pode-se dizer mesmo que as suas raízes se encontram neste período em que Portugal foi reino integrado na monarquia dos Habsburgo (1580–1640), tornando-se um tópico essencial na construção de uma identidade cultural.
Tomando estas reflexões como linha norteadora, o presente ensaio traz alguns dados quantitativos sobre fluxos comerciais activados pelas rotas atlânticas, nomeadamente os que tiveram impacto nas finanças da Coroa, assim reunindo contributos significativos da historiografia sobre Portugal dos séculos XVI e XVII.

 

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Alexandra Curvelo:
A Arte Namban no contexto dos impérios ibéricos

 

Resumo
Os Namban-jin, ou bárbaros do sul, termo japonês que abarcava tanto os Portugueses, como Espanhóis e Italianos, foram uma presença constante no território japonês entre 1543 e 1639, ano definitivo da sua expulsão. Este século, já designado como »o século cristão« do Japão, corresponde grosso modo ao período de anexação da Coroa portuguesa por Espanha (1580–1640), ainda que no contexto ultramarino as políticas imperiais portuguesa e espanhola tivessem permanecido bem demarcadas.
Deste contacto ficaram-nos relatos escritos da maior importância, assim como um corpus artístico absolutamente ímpar no contexto da arte luso-oriental. Esta originalidade advém da conjugação de uma série de factores, tanto de índole geográfica e política, como cultural e religiosa. Situado no limite extremo do Estado da Índia, na fronteira entre o Mar da China e o Oceano Pacífico, o Japão foi palco de um experiencialismo artístico e religioso que por sua vez só pode ser entendido à luz da experiência ultramarina entretanto já adquirida pelos povos do sul da Europa, sobretudo os Portugueses. Foi a passagem por África, Índia e Sueste asiático, o contacto com novas realidades, povos e civilizações e a adaptação a terras e climas novos, que levaram a uma progressiva transformação das vivências e dos gostos adquiridos. O Japão, detentor de uma sociedade fortemente hierarquizada, com uma elite política e religiosa culta e requintada, cedo foi vislumbrado por estes europeus como o contrário civilizacional de tudo o que a Europa conhecia, cenário propicioso a objectivos de índole comercial e religiosa.
A partir de 1571, data em que o porto de Nagasaki foi dado aos Jesuítas, com a consequente fundação de uma cidade, encontrou-se um local que se veio a tornar na principal base europeia no arquipélago. Foi aqui que passou a aportar com a regularidade possível o kurofune (navio negro) que ligava Nagasaki a Macau, Goa, Malaca. Mas estas cidades maiores do Estado da Índia, enquadradas no império português do Oriente, interagiam com Manila, plataforma espanhola fundamental na ligação do Oriente com a América espanhola (Nova Espanha e Perú). À circulação de homens e mercadorias num espaço em que as fronteiras políticas eram repetidamente passadas, as Filipinas foram, à semelhança de Macau, um local importante na disseminação da arte namban. Mas se Macau funcionou como centro de execução e ponto de irradiação destes objectos, Manila serviu fundamentalmente como ponto de passagem. Chegado a Acapulco, o galeão de Manila, ou a nau da China, como também era conhecido, descarregava artefactos lacados e biombos japoneses que, uma vez incorporados num contexto diferenciado, foram alvo de reinterpretação e associados a tradições artísticas locais, revelando desta forma uma outra faceta de um fenómeno que se contituíu desde o início como uma experiência artística e cultural multifacetada.

 

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Francisco Contente Domingues:
Navegar em novos mares e representar os novos mundos.
Náutica e cartografia nas navegações portuguesas

 

Resumo
Os descobrimentos portugueses foram iniciados nos princípios do século XV pelo príncipe Henrique (1394–1460), filho do rei D. João I, e que foi depois conhecido por Henrique, o Navegador. Todavia a lenda do Infante enquanto grande promotor das viagens marítimas que revelaram novos mundos ao mundo, e iniciaram o processo da expansão europeia, teve início pela pena do escritor inglês Samuel Purchas, e, da mesma forma, o primeiro estudo sobre a arte de navegar portuguesa do século XV foi devido a um historiador alemão: Heinrich David Wilckens.
Deve-se porém à historiografia portuguesa a criação de uma disciplina científica nova, a história da cartografia, que se deveu ao 2º Visconde de Santarém, com a publicação dos seus Atlas de cartografia antiga, que foram os primeiros do género. Estes atlas expressaram o resultado essencial das navegações portuguesas do século XV, que se podem sintetizar em dois pontos:

1. Em primeiro lugar, a exploração da costa ocidental africana levada a cabo entre 1434 e 1488 (data em que Bartolomeu Dias dobrou o cabo da Boa Esperança), e bem assim o reconhecimento das condições de navegação no Atlântico Sul, só foi possível porque os navegadores do Infante D. Henrique deram início à navegação astronómica, com recurso à observação dos astros, permitindo aos seus navios singrar em mar aberto por longos períodos de tempo.
2. Depois, as necessidades práticas dos pilotos levaram ao desenvolvimento da cartografia náutica, feita a partir do modelo já conhecido das cartasportulano mediterrânicas, mas revelando novos territórios e mares de que a Europa não tinha até então conhecimento. Porém, e algo estranhamente, subsistem muito poucas cartas náuticas portuguesas do século XV, mas em contrapartida o século XVI conheceu um desenvolvimento extraordinário desta actividade, que teve o seu máximo expoente no chamado ›planisfério anónimo português de 1502‹, um verdadeiro retrato de um mundo que era então praticamente quase todo desconhecido mesmo para os eruditos europeus, que o viram ser-lhes revelado como consequência das grandes viagens marítimas do século XV.

 

Navegar em novos mares e representar os novos mundos.

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Paulo Pereira:
Lisboa (séculos  XVI-XVII)

 

Resumo
Lisboa foi a primeira cidade europeia a sentir o impacte dos descobrimentos portugueses e europeus. Foi, por isso, também, a primeira cidade europeia a adaptar-se às exigências de uma rede global. Este processo de adaptação sofreu um impulso decisivo no reinado de D. Manuel I (1495–1521), por força do peso que foi adquirindo a Rota do Cabo e a Carreira da Índia, e que impôs um esforço logístico permanente. O esforço de modernização da cidade resulta na edificação de uma frente de cais e de molhes, a »Ribeira« de Lisboa, com capacidades que hoje diríamos serem »intermodais«. Verifica-se, também, um esforço de renovação urbana através da abertura de novas ruas, que conduziam aos pólos comerciais mais animados (o Rossio, o Terreiro do Paço), bem como a edificação de um sem número de estruturas praticamente standardizadas: armazéns, »tercenas«, fundições, chafarizes, alfândegas e »casas« para contabilização das mercadorias, manifestação de um centralismo régio sem precedentes que se apoia numa impressionante máquina burocrática. Foi esta a Lisboa construída.
Mas durante os anos de construção desta Lisboa, que atingirá os cerca de 150 000 habitantes por volta de 1600, aparecem, também, os primeiros sinais de uma cidade »desejada«, ainda por construir. As propostas de Francisco de Holanda (1571) ou o testemunho dos ensejos dos mais influentes lisboetas, expressos nos aparatos cénicos da entradas de Filipe II de Espanha (1581) e de Filipe III (1619), exprimem a expectativa de uma cidade que se encontra cada vez mais dependente de uma »globalização« imperial que não soube acompanhar e da consequente perda de autonomia face ao reino espanhol. Era esta a cidade imaginada.
Porém, sobre a cidade material, pairou sempre um manto subtil de ideias magnânimes, fazendo dela um autêntico umbilicus mundi. A história mítica da cidade recuava aos heróis: a sua fundação milagrosa devia-se a Ulisses, que a baptizou. A »esfera do mundo« encontrava-se no próprio corpo de empresa de D. Manuel, que era aposto em todos os edifícios de iniciativa régia e, em lugar de destaque no torreão do Paço real. Foi depois adoptado para simbolizar o reino: a esfera armilar. A concepção mítica de uma »translação dos Impérios« serviu de argumento para Lisboa se assumir como caput mundi. É esta a cidade imaginária.

 

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Maria de Lurdes Rosa:
Do «santo conde» ao mourisco mártir:
usos da santidade no contexto da guerra norte-africana (1415-1521)

 

Resumo
Este artigo estuda os ›usos da santidade‹ no contexto da guerra norte-africana (1415–1521), entendo-os como uma das várias formas de apropriação simbólica do espaço que acompanharam a conquista e presença militar portuguesa na zona. Desde o início, o estabelecimento dos Portugueses na região foi feito sob o signo da continuidade da Reconquista e da Cruzada, e visava tanto a vingança pela ›invasão‹ e ocupação das Espanhas, como a recuperação da antiga África Cristã. Procuravam-se e salientavam-se com afã as marcas daquelas, desde Santo Agostinho aos sinos roubados das igrejas e profanados nas mesquitas, passando pelas populações hostis porque tinham sido dizimadas na célebre batalha do Salado (1340). A sacralização do espaço passou ainda pela imposição dos sinais da religião triunfante – novos templos, novos pastores, novos cerimoniais e – novos protectores celestes. É assim que os ›usos de santidade‹ no contexto da guerra norte-africana constituem um objecto de estudo de grande interesse. Pelo que revelam de ›projecto‹, pela forma como este se vai adequando às realidades – ajudando a transformar derrotas em vitória, seguindo a linha sacrificial do Cristianismo (Infante Santo e Gonçalo Vaz) –, pela força que tinham numa sociedade que, apesar de todas as facturas, era ainda de ›Cristandade‹, sobretudo nas franjas ameaçadas pelo adversário religioso.
O estudo realizado privilegiou uma sucessão cronológica que permitisse apreender a acção e reflexão dos agentes, desenrolando-se pelos seguintes capítulos: »De Ceuta ao cerco de Tânger: santos de cruzada e ›santos de Avis‹«; »Um mártir involuntário, um santo para a Dinastia: o Infante D. Fernando«; »A dinâmica da guerra e o despertar de cultos antigos: a revitalização do culto dos ›Mártires de Marrocos‹«; »Os santos de D. Manuel: originais santidades ao serviço de um sonho«.

 

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Ângela Barreto Xavier:
O Orientalismo Católico

Rotinas do Saber na Goa da Época Moderna

 

Resumo
A produção e sistematização de saberes sobre os espaços, população e cultura dos territórios do império português, têm sido sobretudo estudadas a partir do enfoque das percepções e representações da alteridade. Menos estudada tem sido, em contrapartida, a articulação entre Saber e Poder, e o modo como os processos de conhecimento (dos territórios, das gentes) que se desenvolveram no contexto da presença imperial portuguesa participaram na construção desse mesmo poder. Neste estudo privilegia-se, precisamente, este segundo aspecto. Em concreto, privilegia-se alguma documentação administrativa produzida, em meados do século XVI para mostrar como ela permite realizar uma etnografia das aldeias de Goa durante esse período. A esse respeito, os tombos de propriedades que inventariaram os bens atribuídos a templos, divindades e oficiantes das devoções locais, constituem fontes excelentes. Ao fazerem o levantamento sistemático destes templos e divindades – bem como dos meios financeiros que lhes eram disponibilizados pelas populações de cada aldeia – estes documentos disponibilizam informação única para se fazer a história das 150 aldeias que, no século XVI, constituíam estes territórios.
A meu ver, o facto de tais conhecimentos terem sido produzidos nesse período (e não a partir do século XVIII, como aconteceu com a maior parte dos saberes orientalistas), com o mesmo tipo de objectivos (fornecer conhecimentos que facilitassem a implantação e conservação imperial) torna-os ainda mais relevantes enquanto fontes privilegiadas de informação sobre aquelas paisagens históricas, permitindo, inclusive, problematizar alguns dos conhecimentos que foram sendo gizados sobre as estruturas sócio-culturais indianas neste mesmo período.

 

 

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